quarta-feira, 29 de julho de 2009

"Estou farta da democracia"

Guida Maria é uma montanha russa de emoções: apaixonada, frontal, destemida, viciante. Uma lição de vida, da vida que acaba de contar em livro. Sem pudor. Pisou o palco pela primeira vez aos sete anos. Aos 59, continua a ser das melhores actrizes do país.

Há quantos anos não vê um um político na plateia de teatro? Nos meus espectáculos, com excepção do dr. Amaral Paes, nunca vi nenhum. Eles têm que ir ao futebol, não podem ir a todas, não é?

Num ano particular, com duas eleições, as suas expectativas centram-se nas legislativas ou nas autárquicas? [Risos] Não me faça rir! Expectativas?! Mas os políticos são sempre os mesmos! Só as moscas é que mudam – mas só mudam de uns para os outros!

Não vai votar? Eu?! Nem sei há quantos anos já deixei de votar! Sou uma mulher empreendedora, que se entusiasma com as coisas, mas não é possível entusiasmar-me durante 30 anos seguidos e não ver nada! Não acredito em nenhum político! Já nem os ouço e quando ouço começo a rir. É tudo uma vigarice!

A cultura não dá votos? Não dá é dinheiro! E dá muitas chatices, muita dores de cabeça. E, claro, também não dá votos. Porque não se pode roubar muito na cultura. Roubar o quê?


Atingiu a maioridade em plena ditadura. A democracia com que terá sonhado é aquela que tem hoje? Para ser totalmente honesta, estou farta da democracia! Farta que comandem a minha vida! Pensava que íamos ser todos mais felizes, viver melhor. A verdade é que vivia melhor na altura do outro senhor, esse chamado Salazar. Chamem-me lá o que quiserem, não me importo. Ganhava rios de dinheiro, com 18 anos ganhava 14 contos – em 1968 era uma fortuna.Tinha mais trabalho, os meus filhos levavam açoites quando precisavam e não ficavam traumatizados, fumava em todo o lado...


A liberdade que Portugal ganhou em Abril de 1974 sufoca-a? Mas qual liberdade?! Só sou livre dentro de minha casa, e só se não estiver a incomodar os vizinhos.


Na biografia que lançou recentemente – “Guida Maria: Uma vida” – diz que é do tempo do beija-mão. “Com tanta benção, sempre achei que a minha vida seria um mar de rosas”. O país também mudou por aí? Sim, sim, completamente! Portugal está um país de gente mal educada, sem berço, selvagem. As pessoas hoje não dizem bom dia, quanto mais ir ao beija-mão. Talvez seja isto progresso, não sei.

Nesse livro, fala sem pudor das suas quedas amorosas: “eram casados ou bichas e ou andavam na droga.” Depois da experiência de Maria Filomena Mónica, criticada pelas revelações do foro íntimo, não pensou duas vezes antes de fazer as suas? Então, se comecei a ser criticada aos 15 anos e não me importei, acha que é agora, aos 59, que me vou preocupar? Que falem, é sinal de que estou viva. Só disse o que queria dizer.

Quando descobriu que essa frontalidade lhe dava genuíno prazer? Ah, sempre fui assim. Quando não devemos nada a ninguém nem temos telhados de vidro, somos assim. Estou tesa que nem um barrote, mas sou respeitada. Vou ao banco e tenho crédito, também pessoal. Quem trabalha comigo recebe sempre, nem que tenha que vender o carro. Se eu fosse de outra maneira talvez tivesse mais dinheiro, mas não seria tão feliz.

Termina hoje a temporada de “Monólogos da vagina”. Há nove anos, quando disse o texto pela primeira vez, pareceu-lhe excessivo para Portugal? Nunca achei que estava a dar pérolas a porcos. Diziam-me que era maluca e que acabaria insultada. Não aconteceu nada disso. As pessoas não são todas burras nem todas idiotas. Ganhei essa batalha.

Se amanhã fosse o seu último dia, o que gostava de não deixar por dizer? [Silêncio] Imensas coisas, e outras tantas que gostaria de não ter dito: não resolveram nada e só me cheteei. Mas para dizer era preciso que ouvissem e já ninguém ouve ninguém. As pessoas estão no teatro de telemóvel aberto no colo. Não estão interessadas em ouvir porra nenhuma, nem sequer quando pagam!
Entrevista conduzida por Helena Teixeira da Silva in Jornal de Noticias

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