quinta-feira, 4 de junho de 2009

Gloria de Sant'Anna (1925-2009)

A poetisa Glória de Sant´Anna faleceu esta terça-feira, dia 2 de Junho, no Hospital de Gaia, aos 84 anos.
Glória de Sant´Anna nasceu em Lisboa, a 25 de Maio de 1925, fez o curso complementar de Letras no Colégio de Odivelas e em 1951, já casada, partiu Moçambique, onde foi professora e por cujas aulas passaram milhares de alunos que, imediatamente, se tornaram seus amigos e admiradores. Regressada a Portugal radicou-se em Ovar. Foi uma das vozes mais importantes do lirismo de Moçambique.


«Já alguma vez arrancou uma planta útil da terra? Não o faça. Eu sei o que sente uma planta arrancada sem culpa do seu chão»
Glória de Sant'Anna

Quando o n'pure chega

É madrugada e o n'pure voltou e canta
para o vermelho-laranja do horizonte
e o silêncio em volta dos telhados
é longo e doce

Uma linha de fumo branco sobe
da fogueira do guarda envolto na capulana escura
e a folhagem parada freme de súbito
ao grito do n'pure

Em redor dos troncos tombaram
as primeiras-tímidas flores da acácia rubra
durante a noite (penso)
ou soltas pelas asas leves do n'pure

Glória de Sant'Anna - "Amaranto".

Maternidade

Olho-te: és negra.
Olhas-me: sou branca.
Mas sorrimos as duas
na tarde que se adeanta.

Tu sabes e eu sei:
o que ergue altivamente o meu vestido
e o que soergue a tua capulana,
É a mesma carga humana.

Quando soar a hora
determinada, crua, dolorosa
de conceder ao mundo o mistério da vida,

Seremos tão iguais, tão verdadeiras
tão míseras, tão fortes
E tão perto da morte.

Que este sorriso de hoje
na tarde que se esvai,
é o testemunho exacto,
do erro das fronteiras raciais.

Dos nossos ventres altos,
os filhos que brotarem
nos chamarão com a mesma palavra.

E ambas estamos cientes
-tu, negra e eu, branca-
que é dentro dos nossos ventres
que germina a esperança.

Glória de Sant'Anna

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