quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Até a corromper fazemos figura de pobrezinhos

E cá vamos nós outra vez. Uma dúzia de arguidos. Uma investigação que atinge o coração do sistema político e económico. As notícias a pingarem nos jornais em cadência pré-estabelecida. Um processo já com oito mil páginas. O cuidado posto pelos investigadores no timing da acção (pós-eleições, pós-tomada de posse), revelador do equilíbrio cada vez mais frágil entre o poder executivo e judicial. Os envolvidos a garantirem a confiança na justiça enquanto vão desmentindo o que a justiça apurou até ao momento. Políticos importantes a explicarem que não comentam casos judiciais. Um caso judicial que dia-a-dia se aproxima de políticos cada vez mais importantes. A alternância na trafulhice: um megacaso envolvendo gente do PSD para ti, um megacaso envolvendo gente do PS para mim. O país atravessado pela velha sensação do "eles são todos iguais". A evidência dos milhares de negócios feitos à sombra do Estado onde a corrupção campeia.
Pode dizer-se que nada disto é novo. Que já vimos tudo isto muitas vezes. Que esta Face Oculta é apenas mais uma das mil faces de um Portugal centralizador e, por isso, estruturalmente corrupto. Mas, na verdade, há aqui alguma coisa de novo: a dimensão. Não a dimensão no sentido "vejam tantos milhões e tantas pessoas importantes envolvidas". Isso é o caso BPN. Aqui a dimensão é outra, e é essa outra dimensão que espanta: a forma como uma sucateira de Ovar consegue alegadamente corromper quadros de topo das maiores empresas nacionais. Um pequeno selfmade man com muitas notas e capacidade para oferecer Mercedes topo de gama chega à EDP, à Galp, à Refer, à REN, à PT, com a maior das facilidades influenciando concursos a seu favor. Um chico-esperto com os bolsos cheios consegue enfiar no bolso dezenas de pessoas poderosas. Mais do que isso: tem a pretensão de poder afastar presidentes de empresas estatais que lhe dificultam a marosca. Eu já vi coisas destas, sim. Mas era um episódio de Os Sopranos.
Esta facilidade com que um muito pequeno influencia os muito grandes é a coisa que mais se aproxima em Portugal de um procedimento mafioso. Mas não há corpos atirados para o rio: à boa maneira lusitana, é uma cosa nostrinha. Portugal é um país livre da mmfia porque não é preciso ameaçar ninguém com uma pistola. Basta abanar com um maço de notas. Um Mercedes com jantes de liga leve? Ó meu amigo, leve lá a sucata para casa. Dez mil euros? Está bem, eu faço dois ou três telefonemas. Golpes de colarinho banco com os quais se compram ilhas em paraísos tropicais eu ainda posso perceber. Mas esta corrupção dos pobrezinhos nas maiores empresas portuguesas é verdadeiramente deprimente. Até a roubar temos de ser rascas?
João Miguel Tavares in DN

Sem comentários:

Enviar um comentário